Deu na Veja
Por Diego Escosteguy
‘Fui extorquido na Casa Civil’
Deputado Roberto Rocha revela que assessor de Dilma Rousseff exigiu 100 000 reais de propina para agilizar
processo que dependia de autorização do presidente Lula
O advogado Vladimir Muskatirovic, conhecido em Brasília como “Vlad”, ocupa a poderosa chefia-de-gabinete da Casa Civil da Presidência da República. Assim como a ex-ministra Erenice Guerra fez carreira no governo à sombra da candidata petista Dilma Rousseff, Vlad fez carreira no governo à sombra de Erenice Guerra. Ele era subordinado de Erenice quando esta ocupava a chefia da assessoria jurídica do Ministério de Minas e Energia. Quando Dilma assumiu a Casa Civil e Erenice levou sua turma junto, Vlad foi o primeiro a acompanhá-las.
Apesar de a ex-ministra ter sido apeada do Palácio após vir a público a existência de uma central de corrupção na Casa Civil, Vlad permanece no cargo. Não é por acaso. Além da amizade com Erenice, Vlad mantém relações fraternas com o senador Gim Argello, figura secundária dos subterrâneos de Brasília, que, sabe-se lá por qual razão, caiu nas boas graças de Dilma nos últimos anos.
Nos ambientes em que o senador Gim brilha, Vlad é uma celebridade. VEJA descobriu um dos casos que fazem a fama do chefe-de-gabinete. Em 2007, Vlad, já como assessor de Dilma na Casa Civil, cobrou 100 000 reais de propina – e recebeu parte do dinheiro – para resolver uma pendência de um deputado junto à Presidência da República.
O deputado chama-se Roberto Rocha, do PSDB do Maranhão. Ele é sócio da TV Cidade, retransmissora da Record no estado, e de duas rádios. O pedágio foi exigido para que a Casa Civil autorizasse uma mudança societária nessa TV. O que a Casa Civil tem a ver com isso? Tudo. A concentração de poder na
Presidência da República é de tal ordem que cabe à Casa Civil ratificar qualquer compra ou venda envolvendo rádios e TVs do país, que são concessões públicas.
Pode ser coisa grande ou miudeza: tem que passar pela Casa Civil. Depois de passar por lá, o presidente é obrigado a assinar esses atos, como se fosse chefe de um cartório. Diante do fato de que o Ministério das Comunicações analisa previamente todos esses casos, trata-se de um simples carimbo. Um carimbo, no entanto, que vale ouro: pode custar caro obte-lo, evita-lo ou agilizar seu uso. Um carimbo é moeda líquida na cleptocracia federal.
Vlad pôde vender tão caro uma facilidade porque o governo havia criado uma enorme dificuldade – uma que parecia não ter solução. A epopeia começa em 2003, no início do governo Lula, quando o sócio de Roberto Rocha na TV aceitou vender a participação dele no negócio. Esse sócio era aliado de José Sarney. Rocha é adversário do senador. Fez-se a transação, e a papelada seguiu para o Ministério das Comunicações, de modo que os rituais burocráticos fossem cumpridos.
Deveria demorar algumas semanas. Demorou um ano. Demorou em razão do lobby contrário promovido por aliados de Sarney. É fácil entender os motivos disso. Sarney é dono da retransmissora da Globo no Maranhão. Seu principal aliado, o senador Edson Lobão, controla a retransmissora do SBT no estado. Caso o governo autorizasse o negócio do deputado Rocha, portanto, haveria no Maranhão uma TV não-alinhada com os interesses da família – e uma TV num estado pobre é uma poderosa arma política. No final de 2003, apesar das pressões contrárias, o então ministro das Comunicações, deputado Miro Teixeira, finalmente aprovou a transação e encaminhou o papelório para a Casa Civil.
No dia 7 de janeiro de 2004, o Diário Oficial publicou a autorização concedida pelo presidente Lula. Tudo parecia resolvido. Mais eis que sobreveio um episódio insólito, daqueles que só se explicam pela força irresistível de certos interesses políticos. Houve uma reforma ministerial, e o deputado peemedebista Eunício Oliveira, do mesmo partido de Sarney, assumiu a pasta das Comunicações. Tentou-se reverter ali, de todos os modos, a tal autorização já assinada por Lula.
A pressão de Sarney aumentou e, no dia 11 de março, dois meses depois de publicada a autorização, o mesmo Diário Oficial trouxe um ato do mesmo presidente Lula revogando a decisão anterior. Sem justificativa, sem devido processo legal. Pode-se apenas supor as razões políticas para essa aberração jurídica – e todas elas passam pelos interesses do senador Sarney. Inconformado, o deputado Roberto Rocha contratou bons advogados e recorreu ao Supremo Tribunal Federal. O deputado ingressou com um mandado de segurança, que, por sua natureza, deveria ser julgado em pouco tempo, mas que acabou morrendo nas gavetas do Supremo.
Rocha, contudo, não estava sozinho em sua cruzada para assegurar o comando da TV. Todos os políticos anti-Sarney do Maranhão lhe ajudaram O deputado petista Domingos Dutra – que chegou a fazer greve de fome recentemente para impedir que seu partido apoiasse a candidatura de Roseana Sarney ao governo do estado – foi um deles. Diz Dutra: “Falei com as lideranças do PT, falei no governo. Mas eles preferem o Sarney. Rocha chegou a me contar o que aconteceu na Casa Civil da Erenice”.
Parece estranho ver um petista e um tucano atuando harmoniosamente. No Maranhão, entretanto, os políticos dividem-se entre os que são adversários ou aliados de Sarney. Rocha e Dutra pertencem ao primeiro grupo. E os esforços deram algum resultado.
Em 2007, o deputado conseguiu ser recebido na Casa Civil. Esteve com Erenice Guerra, então secretária-executiva, e o assessor Vlad. Ambos confirmaram a teratologia do ato presidencial e prometeram resolver o assunto. Localizado por VEJA, que soubera do caso por intermédio uma fonte na Casa Civil e outra no PT, o deputado relutou em admitir o episódio – mas acabou por narrar o que havia acontecido. Disse Rocha: “Esse assessor Vladimir cobrou para resolver. Fiquei enojado com tudo aquilo. Ter que pagar para que eles fizessem o que era certo? Fui extorquido pela Casa Civil”.
Depois da reunião, Vlad procurou um funcionário do deputado para acertar o pagamento. Os dois encontraram-se no restaurante que funciona no 10º andar da Câmara dos Deputados. “Vladimir deu a garantia de que resolveria tudo, desde que pagássemos 100 000 reais”, narra Ivo Icó Filho, o funcionário. “Ele disse que o valor era alto porque envolvia o trabalho de outras pessoas”.
O deputado conta que ponderou e, apesar de “revoltado”, resolveu pagar: “Autorizei meu assessor a providenciar um sinal: 20 000 reais”. Rocha não quis fornecer detalhes do pagamento. Completa o deputado: “E o pior é que não deu certo. Esse Vladimir nunca mais retornou as ligações ou respondeu emails. Foi um golpe”
Procurado pela reportagem, o chefe-de-gabinete da Casa Civil respondeu por meio de nota. Vlad admitiu frequentar o restaurante da Câmara e manter “reuniões políticas” com o senador Gim Argello. Mas nega ter pedido ou recebido propina. Diz o texto: “O assessor não pediu nem recebeu qualquer pagamento referente a essas pessoas”.
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